SINOPSE
Apesar da proibição da música por gerações de sua família, o jovem Miguel sonha em se tornar um músico talentoso como seu ídolo, mas ele precisa lidar com sua família que desaprova este sonho. Determinado a seguir seu objetivo, Miguel se encontra na deslumbrante e colorida Terra dos Mortos. A aventura, com inspiração no feriado mexicano do Dia dos Mortos, acaba gerando uma extraordinária reunião familiar, repleta de descobertas e muita afetividade.
Sob o olhar da Psicologia:
Que filme maravilhoso, que leque e que riqueza de interpretações. Impossível não se emocionar com a história retratada. A animação narra de forma poética a relação com a morte, através de música, muitas cores e relacionamento familiar. O filme traz consigo uma reflexão sobre as tradições familiares e os desafios em busca da nossa individualidade. E é absurdamente impossível não se envolver. Toda família possui suas próprias crenças e valores estabelecidos como regras. Miguel, em busca da sua subjetividade, deseja transgredir os limites impostos pela família, pois considera a música como parte de quem ele é. E no “Dia de los Muertos", ele decide enfrentar sua família e seguir o seu sonho.
Seguir o seu sonho ou manter a tradição?
A tradição da família de Miguel é fazer sapatos. (Acredito que os sapatos possam ser uma referência a realidade, manter os pés no chão, sabe?). Contudo, este padrão tem sua origem a partir de uma grande perda, que resultou em uma série de proibições e medos irracionais.
Conseguem perceber a semelhança da animação com o dia a dia? Todos nós podemos em algum momento se deparar com questões que diferem do que a nossa família espera de nós. E embora nossos familiares possam não ser tão intransigentes, a cobrança passa a existir mesmo que de maneira inconsciente.
A decisão de seguir ou não o seu sonho é um trabalho interno, e exige uma busca e uma ressignificação de histórias e conflitos. Racionalmente, podemos considerar que estamos bem resolvidos com relação a algo, mas o registro em nosso inconsciente é de que a tradição deve ser mantida, com isso alguns processos de autossabotagem podem ocorrer e nos impedir de avançar.
O que é Constelação Familiar?
É um método terapêutico criado pelo filósofo alemão Berth Hellinger. Baseada em leis que, segundo o autor, desenvolvem identificações e implicações trágicas entre os membros de uma família, e as definem como as ordens do amor. Pertencimento, Equilíbrio de Troca e Ordem ou Hierarquia, podem ser aplicadas para harmonizar situações de separação, relacionamentos desgastados, dificuldades de crescimento individual, entre outros. O terapeuta escolhe o número de pessoas que considera necessário para representar os membros de determinada família de quem irá constelar um problema. A ideia é que os escolhidos e participantes dessa dinâmica representem os familiares e abordem de uma forma compartilhada os sentimentos e emoções como um todo. O processo também pode ser realizado individualmente e as representações feitas através de bonecos.
Pertencimento
Uma das grandes verdades em nossa vida é que todos nós temos o desejo de pertencer. O pertencimento é a base da lealdade familiar. Esta necessidade em pertencer faz com que, mesmo de maneira inconsciente, eu seja leal aos padrões familiares, mesmo que isso muitas vezes custe a minha felicidade. Muito sofrimento e doenças psicológicas podem ser gerados a partir destas lealdades invisíveis.
Miguel, sofre por sentir-se sozinho e sem o apoio de sua família. O menino, inclusive, arca com as consequências ao tentar sair dos padrões e seguir a sua vontade. Embora esteja em busca da sua individualidade, o filme retrata muito bem como ainda é necessário e importante obter este apoio familiar. Romper com a família na tentativa de conquistar sua autonomia, nunca é a solução adequada e pode resultar em uma série de frustrações futuras.
Outra observação interessante a respeito do filme, é sobre a bisavó de Miguel. A senhora apresenta um quadro nítido de Alzheimer, impossibilitando a comunicação e reconhecimento de familiares, porém, a mesma acaba sendo "resgatada" ao acessar memórias e lembranças, até então, bloqueadas por sua família.
O inconsciente familiar executa grande influência e membros dessa família que foram excluídos por algum motivo(traumas, conflitos), podem ficar como fantasmas, tentando ser vistos ou apenas continuar existindo.
Muitas vezes basta um ato simbólico ou uma conversa que traga revelações, junto a outras elaborações em processo terapêutico, para conseguirmos alívio.
Está tudo bem em não seguirmos padrões familiares, o que não podemos é perder nossa individualidade e nossas conexões. Não há encontro, quando há restrições. Por isso é tão importante não deixarmos os nossos sonhos de lado. As vezes, a solução para avançarmos não está no futuro, mas em um olhar mais apurado sobre o nosso passado.
A introdução da cultura mexicana para retratar a morte, a traz de maneira leve e simplista. Nunca estamos preparados para lidar com a perda de um ente querido, mas talvez seja preciso olhar para este fato com uma nova significação, assim como para o Miguel o dia dos Mortos não tinha simbolismo algum e ganhou uma nova perspectiva. Perdão, justiça e verdade regem muito bem o final desta história. As sensações despertadas pela trama permitem uma experiência única. A mesma magia que possibilita ao Miguel uma nova perspectiva, também encanta o espectador, nos trazendo uma série de reflexões. Cativante, a animação emociona o público de qualquer idade, tirando gargalhadas e lágrimas do início ao fim.
PALAVRAS-CHAVE
Relações afetivas e familiares, perdas, luto, morte, memória afetiva, constelação familiar, autoconhecimento, subjetividade, ressignificação, crenças e tradições.